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Notícias da Diocese › 24/06/2019

A Eucaristia não é adorada

 

Adorar implica um duplo movimento:

reconhecer a própria pequenez e a grandeza de Deus. (Reprodução/ Pixabay)

Apesar dos espetáculos nas procissões com o Santíssimo Sacramento, a Eucaristia não tem sido vivida.

Durante muito tempo, católicos abriram mão de comungar para adorar apenas contemplativamente à Eucaristia. Não há demérito algum na adoração eucarística, prática da piedade católica. Entretanto, reduzir esse ato a apenas olhar para a hóstia é perder de vista que a adoração completa está na comunhão com o Cristo.

Ao longo da história da Igreja, os escrúpulos acerca da participação no banquete Eucarístico foram levando os fieis a se distanciarem da comunhão. Sendo assim, já que não poderiam receber a hóstia consagrada, o ápice para os que participavam da Missa estava em olhar para ela quando o padre a erguesse. E, nesse olhar, todos adoravam o Senhor em seu sacrifício.

Contudo, quando Jesus se reuniu com os apóstolos no cenáculo e partiu o pão, dando-se em comida, disse: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”. Se nossas missas se pautam na ceia do Senhor como seu fundamento, o pão eucarístico não foi feito para ser simplesmente olhado, mas comido. Comer das espécies do pão e do vinho consagrados significa comer do corpo e sangue de Cristo, comungar da sua vida.

Ora, como se comunga da vida do próprio Deus, quem poderia ser digno de se achegar ao altar? Ninguém poderia, mas é o Cristo quem se dá. Portanto, a dignidade não está em quem recebe, mas em quem se doa. E isso é o que caracteriza o maior ato de adoração.

Adorar implica um duplo movimento: reconhecer a própria pequenez e a grandeza de Deus. Quem comunga faz esse duplo reconhecimento. “Senhor eu não sou digno de que entreis em minha morada”. Aproxima-se da mesa do Senhor por se saber pequeno e por confiar infinitamente nesse amor que chama à união com ele.

Assim, quando se recebe a Eucaristia, é estranho que muitas pessoas busquem um altar ou a capela do Santíssimo Sacramento para se ajoelhar diante do sacrário. Se é o próprio Senhor que está dentro de quem comunga, deve-se ajoelhar para que lado? Ou então, porque as pessoas se levantam e fazem vênia para as espécies eucarísticas quando os ministros levam as âmbulas de volta ao sacrário logo após a comunhão? O que dizer das adorações ao Santíssimo ao fim das Missas?

Têm-se tratado a adoração contemplativa superiormente à adoração da comunhão porque a Missa perdeu significado para a maioria dos fieis. Tanto é assim que, na tentativa de tornar a missa mais “acessível”, começou-se a enche-la de facilitações para que o povo “participe” mais. Muito desse didatismo celebrativo não passa de barateamento do mistério da fé.

Outro sinal da perda do significada da Eucaristia para os cristãos está no ritualismo apegado à alfaias, panos e gestos rígidos. Ficam tão apegados à letra do missal ou do ritual romano que não entendem o sentido daquilo que celebram. Tanto que esquecem-se do cuidado dos pobres.

A Eucaristia faz a Igreja, comunidade dos filhos de Deus. Ela nos irmana. Celebrar a Eucaristia deveria implicar os fieis no compromisso com os pobres. A dicotomia que se encontra atualmente na Igreja que separa cuidado dos que sofrem e vivência sacramental é fruto de compreensão equivocada da fé. A maior prova é São João Crisóstomo, que desenvolveu uma linda liturgia, celebrada no oriente católico e ortodoxo e que insistia na cuidado do pobre.

São João Crisóstomo disse: “Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não o desprezes nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem o honres no templo com vestes de seda, enquanto o abandonas lá fora ao frio e à nudez. Aquele que disse: ‘Isto é o Meu Corpo’ (Mt 26, 26), e o realizou ao dizê-lo, é o mesmo que disse: ‘Porque tive fome e não ne destes de comer’ (cf. Mt 25, 35). (…) Que proveito resulta de a mesa de Cristo estar coberta de taças de ouro, se ele morre de fome na pessoa dos pobres? Sacia primeiro o faminto, e depois adornarás o seu altar com o que sobrar. Fazes um cálice de ouro e não dás ‘um copo de água fresca’? (Mt 10, 42)”.

Se não vemos Cristo no pobre, talvez não o vejamos na Eucaristia. Assim, talvez estejamos olhando para a hóstia consagrada no ostensório, mas não o adorando. Estamos cegos a Cristo na Eucaristia e no próximo e o testemunho contra nós talvez seja preferir a ponta das procissões do Santíssimo Sacramento, com suas proclamações de cura, que a participação efetiva da missa com o engajamento consequente na vida do próximo.

Partindo da metáfora do almoço de família, Daniel Reis ressalta o aspecto comensal do banquete eucarístico, quando a família de Deus se reúne em torno da mesa/altar para comungar do Corpo de Cristo e, nele, comungar uns dos outros. É o que se trata no artigo Da mesa ao altar, do altar à mesa.

Felipe Magalhães Francisco nos lembra que a comunhão com Cristo implica uma ética no texto Eucaristia e ética: quando a comunhão não se torna condenação. Se comungamos de sua vida, atestamos que assumimos seu projeto de amor. Comungar da Eucaristia e rejeitar esse projeto seria o que biblicamente se chama “comungar da própria condenação”, o que equivalente à traição de Judas que come do mesmo prato na última ceia do Senhor.

Celebramos aquilo que cremos, mas cremos aquilo que vivemos – é o que nos lembra César Thiago do Carmo Alves no artigo Lex agendi: Eucaristia e solidariedade. A Eucaristia implica necessariamente em serviço ao próximo já que Cristo vincula uma ao outro quando lava os pés dos discípulos na última ceia. Comungar deveria levar os cristãos ao cuidado dos irmãos, se de fato eles creem naquilo que celebram.

Boa leitura!

 

Gilmar Pereira

Fonte – domtotal.com

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