Deus, generoso que é, não se cansa de oferecer aos seus a oportunidade que sua Graça encerra. Infundiu na sabedoria humana o dom de organizar-se no tempo e no espaço para recordar (trazer novamente ao coração) os gestos de Jesus e sua coerência em propor uma nova humanidade. No sonho do Pai não há espaço para a dominação, para a intolerância, para o privilégio de poucos em detrimento de muitos. O Reinado de Deus se rege pelo amor, que se manifesta em respeito, acolhida, tolerância, inclusão, diálogo e tantos outros conceitos que surgem em diferentes épocas e lugares sempre com a meta de transformar o ser humano para melhor. Outra vez Deus nos convida a reavivarmos em nosso interior e no seio de nossas comunidades o entusiasmo de prosseguirmos neste caminho desafiante e doloroso, mas apaixonante e impregnado de esperança. Paixão, Morte e Ressureição são passos de Cristo e seus seguidores assumem o compromisso de percorrê-los em companhia do Mestre. Mesmo que às vezes a dura realidade do limite humano fale mais alto, como calou em Judas Iscariotes, com sua traição, em Pedro, com a reiterada negação, e nos outros que abandonaram o Cristo à própria sorte, somos convocados a nos superar e a reconhecer nos sofrimentos e limites a porta aberta para a Ressurreição. Se no Natal o Verbo se Faz carne, na Semana Santa, a carne do Verbo se faz entrega. É ferida, sangrada, estraçalhada ao limite do absurdo: “escândalo para os judeus e loucura para os gregos” (1Cor 18,23) – para eles e também para uma sociedade que coloca sua confiança nos cifrões (idolatria ao dinheiro e aos bem materiais) ou nos holofotes e palcos (idolatria de si mesmo). Com olhos da fé, saibamos enxergar além, transcendendo os limites da loucura e do escândalo, alcançando desde agora a Glória verdadeira, perene e consistente de um Deus que nos ama sem reservas. Quem Deus nos conduza em mais uma Semana Santa!
Frei Gustavo Medella OFM
A Entrada em Jerusalém – O Messias pobre e desarmado
Apresentamos aqui uma visão de conjunto da Semana Santa. Deveríamos partir sempre da celebração do Tríduo pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição do Senhor, com especial destaque à Vigília da Páscoa.
A Vigília pascal constitui o núcleo central de toda a Semana Santa. Por isso mesmo deveria estar em primeiro lugar em toda a ação pastoral. Importa encontrar formas e meios para trazer a Vigília pascal à prática dos cristãos mais conscientes.
O Domingo de Ramos pode ser chamado de abertura do retiro anual das comunidades eclesiais. O dia litúrgico é um tanto sobrecarregado. Chama-se hoje: Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor. Os mistérios evocados são vastos. Quem sabe, se poderia dar destaque à procissão de ramos na Missa de sábado à noite e realçar, no Domingo, a Paixão do Senhor. Talvez a 2ª leitura do Domingo, a carta de São Paulo aos Filipenses 2, 6-11, possa dar a chave para a compreensão dos dois aspectos: a Entrada triunfal de Jesus e a Paixão. Cristo humilhou-se… Deus o exaltou. A certeza da palma da vitória sobre o pecado e a morte em Cristo deve acompanhar os cristãos na contemplação dos passos da Paixão durante toda a Semana Santa.
Na segunda, terça e quarta-feira da Semana Santa, a Igreja contempla o Servo sofredor, aparecendo, como figuras eloqüentes, Maria Madalena que perfuma o corpo do Senhor, Pedro e Judas. A Igreja prepara-se para o Tríduo pascal.
A Quinta-feira Santa é de uma riqueza muito grande. Oferece dois momentos. A Liturgia do Santo Crisma na parte da manhã em que, profeticamente, celebra os sacramentos onde ocorre a sagrada unção: Batismo, Crisma, Unção dos Enfermos e Ordem. Na Missa vespertina já temos o início do Tríduo pascal. Celebram-se os mistérios da última Ceia: o novo mandamento, pelo lava-pés, a Eucaristia e o sacerdócio ministerial. Tudo isso, pela entrega de Jesus para ser crucificado, pela entrega de Jesus em cada Santa Missa, pela entrega dos cristãos pelo amor fraterno.
Na Sexta-feira Santa, a Igreja não celebra a Eucaristia. Ela permanece em jejum. Comemora a Morte de Cristo por uma Celebração da Palavra de Deus, constando de leituras bíblicas, de Preces solenes, adoração da Cruz e Comunhão sacramental.
No Sábado Santo, com início na Sexta, a Igreja celebra a Sepultura do Senhor, sobretudo através da Liturgia das Horas, aguardando na esperança a ressurreição do Senhor. A comemoração da Sepultura do Senhor é enriquecida na piedade popular pelo descendimento da Cruz e a procissão do Senhor Morto.
Celebração Popular da Semana Santa
Em muitas regiões do Brasil, com especial destaque para Minas Gerais, encontramos expressões populares na celebração da Semana Santa. Vários foram os motivos que levaram a isso. Entre eles estão certamente a língua, a clericalização da liturgia e seu caráter muito intelectual. Criou-se, assim, um certo paralelismo entre a Liturgia romana e a expressão popular. Importa, no entanto, compreender e valorizar essas formas populares, para, a partir delas, se chegar a uma vivência maior dos mistérios de Cristo pelo Rito romano e realizar uma possível integração das expressões populares.
A celebração popular da Semana Santa comemora essencialmente o mesmo Tríduo pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição do Senhor. Ela o faz ao ar livre através de procissões.
Assim, os Passos da Paixão são vividos na Procissão do Encontro. Podemos valorizar todo um conteúdo ligado ao encontro entre Deus e a humanidade, depois do desencontro por causa do pecado. O encontro de Jesus com sua Santíssima Mãe no caminho do Calvário representa o encontro da humanidade com seu Deus, encontro que passa pelo mistério da cruz. Esta procissão é realizada no Domingo de Ramos, na Terça ou na Quarta-feira da Semana Santa. Isso tem seu motivo. Na Liturgia anterior à reforma da Semana Santa, nesses dias se proclamava a Paixão de Jesus conforme os sinóticos. A agonia e a morte de Jesus recebem um destaque especial através do Sermão das Sete Palavras. Trata-se de uma celebração da Palavra de Deus, com proclamação da Palavra, o canto, a homilia e a oração, em sete etapas.
A Sepultura do Senhor é comemorada pelo Descendimento da Cruz, com pregação, a Procissão do Senhor morto e o sermão da Soledade. Tendo sido a semente lançada à terra, o Senhor repousa na esperança da ressurreição.
Finalmente, temos a Procissão do Senhor ressuscitado, realizada, em geral, após a Missa da Vigília. Em outros lugares, na madrugada ou na manhã da Páscoa. É a procissão do triunfo de Jesus Cristo sobre a morte, vivo e presente na Igreja, sobretudo no mistério da Eucaristia.
Às vezes, temos uma quarta procissão, sem contar outras procissões de menor importância: a do Triunfo de Nossa Senhora. Em certas cidades é realizada na tarde do Domingo da Páscoa. A humanidade triunfante com Cristo é representada por Maria. Outras vezes ela é solenemente coroada após a Procissão da Ressurreição do Senhor.
A participação popular caracteriza as celebrações: os leigos são os agentes, enquanto o clero acompanha. Sobressaem a linguagem visual e a ação, sobretudo pelo andar.
(*) texto do livro ”Viver o Ano Litúrgico”, de Frei Alberto Beckhäuser OFM
Tríduo Pascal
Frei Alvaci Mendes
Mergulhados na infinita bondade de Deus, buscando a conversão do coração como proposta de vida, tentando mudar nossas atitudes e anseios, chegamos mais uma vez às celebrações da Semana Santa, a semana dos cristãos, a semana especial, enfim, a mais significativa das semanas. E toda a liturgia parece nos querer falar de um amor insondável, de um mistério infinito, de uma bondade sem limites. Por que será que toca tanto nossa alma quando relembramos e revivemos os mistérios dos últimos dias do Senhor em nosso meio? Por que a paixão, a dor, o abandono, a solidão, a morte, parecem dizer tanto a nós cristãos? Por que corremos ao encontro daquele que é a Luz que destrói as trevas e elimina o poder da morte?
Gostaria de destacar, aqui, os passos do mistério que vamos celebrar juntos a partir da quinta feira santa, com a missa vespertina, ou seja, a grande celebração da Páscoa dos cristãos, no que chamamos de “Tríduo Pascal”. Entender bem, estes três momentos fortes como uma única e grande celebração da vida é poder entrar definitivamente na comunhão com o Cristo, única e verdadeira Páscoa. Trata-se, portanto, de uma celebração com três momentos distintos, mas integrados. Três faces de um mesmo mistério: a Páscoa.
QUINTA-FEIRA SANTA
Dia do mandamento novo;
do ministério da doação; do Lava-pés
Ele, o Mestre, deu testemunho do que dizia, manda amar a todos, ensina que é no lavar os pés: sujos, descalços, pobres, que se identificam os seus seguidores. Que amar aqueles que lhe amam é fácil, mas amar os inimigos, aqueles que comem na mesma mesa sem ser dignos dela, é ser diferente.
Na missa desta tarde-noite, antecipa-se a entrega total na doação eucarística (Última Ceia). Celebramos o amor que se doa, na cruz e na glória. Mergulhamos, portanto, na sublimidade pascal. Tudo nesta Ceia-doação nos leva à descoberta do amor. É nesta missa que se inicia o Tríduo Pascal.
SEXTA-FEIRA SANTA
Amor levado ao extremo;
entrega; sofrimento; morte
Nossas igrejas se enchem, choramos aquele que morre na cruz, caminhamos lado a lado com o Senhor Morto. É a sexta feira da Paixão. Aquele que ontem havia celebrado a Ceia com os seus, mas que havia sido na mesma noite entregue aos “homens deste mundo”, agora jaz no madeiro.
Contudo, e aqui está a beleza da liturgia integrada como única celebração de vida, adoramos o madeiro e o beijamos porque ele, o madeiro da dor, é sinal de glória. Nele adoramos aquele que viverá, que ressurgirá da morte e nos libertará a todos. Identificamo-nos tanto com Ele neste dia que até entendemos que nossas cruzes diárias são parte de nossa humanidade, e que aceitá-las e tentar entendê-las talvez seja um primeiro passo para a vida nova, que todos buscamos. A cruz lembra dor, mas reforça a certeza da vitória.
SÁBADO SANTO
Saudade; esperança;
Vigília; Luz; Vitória; Vida Nova
Começamos o Sábado lembrando aquele que jaz no sepulcro. A manhã deste dia ainda é de recolhimento. Mas, fica sempre aquela cepa de certeza, aquele gostinho de esperança que brota do mais profundo da alma.
A tarde chega, a noite cai. É hora da Vigília das Vigílias, como dizia Santo Agostinho, da luz das luzes, do poder da vida sobre a morte. Afinal, ressuscitado e vivo é o nosso Deus. É por isso que esta noite é tão cheia de significados e de símbolos: Liturgia do fogo e da luz; Liturgia da Palavra; Liturgia Batismal e Liturgia Eucarística. Somos, com Cristo, ressuscitados para uma vida nova; somos banhados na pia batismal como homens novos, porque “ele vive e podemos crer no amanhã”; somos povo que caminha rumo, não mais a terra prometida, mas rumo ao Reino dos céus; enfim, comungamos aquele que é o Senhor ressuscitado, nossa Páscoa.
Tudo deveria refletir em nós a alegria que estamos sentindo. A Igreja, toda, iluminada pela luz do Filho do Deus Vivo, mergulhada no abismo de tão profundo mistério e envolvida com a missão de seu Divino Mestre, deveria cantar a uma só voz o “Aleluia”, guardado para este momento tão sublime. E lembrar que a partir deste momento, somos com Ele, ressuscitados para um mundo novo, alicerçado na paz, na justiça, no amor, na concórdia e na fraternidade, onde a Eucaristia brilha mais intensamente como lugar de partilha, de comunhão verdadeira e de ação. Não podemos esquecer que somos sinais, do Cristo ressuscitado.
O tríduo termina com a oração das vésperas (tarde) do Domingo de Páscoa, que é o domingo dos domingos, como afirma Santo Atanásio, mas não a culminação de um tríduo preparatório, e sim a reafirmação da Vitória, já celebrada na grande Vigília do dia anterior. O maior tesouro da liturgia está nestes três dias, nos quais recordamos a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Nosso Senhor. O tríduo pascal é a celebração mais importante na vida da Igreja, na há celebração, em ordem de grandeza que se possa colocar em seu nível. Assim, estes três dias são o centro não só do ciclo da Páscoa como tal, mas também de toda a liturgia e de toda a Igreja. Que possamos celebrar bem estes dias e que a certeza do Senhor que Vive e Reina, seja a maior das certezas de nossa vida cristã. O mistério pascal que celebramos nos dias do sagrado tríduo é a pauta e o programa que devemos seguir em nossas vidas.
Fonte: www.franciscanos.org.br