Indígenas durante a celebração eucarística no
encerramento do sínodo. (Vatican Media)
Sínodo da Amazônia consistiu no grande apelo à conversão ecológico
O sínodo convocado pelo papa Francisco para debater a presença da Igreja Católica na Amazônia terminou neste domingo (27). Além de bispos, foram convocados teólogos, líderes indígenas e assessores de movimentos pastorais e sociais.
Na abertura do evento (6/10), o papa norteou-o em seu discurso: “Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos. O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho. O fogo de Deus alimenta-se com a partilha, não com os lucros”.
O Documento de trabalho preparatório causou polêmica, dentro e fora da Igreja, pelo conteúdo avançado. Como os povos indígenas não aceitam adultos solteiros, cogitou-se a possibilidade de ordenar sacerdotes indígenas casados, o que provocou forte reação dos setores conservadores. A proposta não obteve aprovação do sínodo, embora se tenha reforçado o protagonismo indígena na atividade evangelizadora.
Bolsonaro temia que o sínodo desacreditasse mundialmente seu governo ao denunciar as políticas anti-indigenistas e antiambientalistas adotadas pelo Planalto. Chegou a mobilizar a Abin para tentar neutralizar a pauta vaticana. Ora, não foi preciso o sínodo denunciar como o Planalto trata os temas amazônicos. As recentes queimadas e os múltiplos discursos de nossas autoridades sobre a questão indígena, inclusive com ofensas ao cacique Raoni, foram suficientes para a opinião pública mundial se dar conta dos descasos do governo.
O papa Francisco não surpreendeu nenhum dos nove governos amazônicos. Sua única encíclica, Laudato si (Louvado seja – Sobre o cuidado da casa comum), divulgada em maio de 2015, que trata da questão socioambiental, é de tal contundência que levou Edgar Morin a admitir que não há, na história da ecologia, documento mais ousado do que este, pois todos focam os efeitos da devastação socioambiental, mas Francisco vai além ao denunciar as causas.
As sementes lançadas pelo sínodo, assim como ocorreu com o Concílio Vaticano II, vão demorar a dar frutos. Mas virão. Ao dar voz, dentro do Vaticano, a indígenas, pescadores, seringueiros e outros representantes do povo amazônico, Francisco abriu um precedente que, sem dúvida, incomodou os conservadores, mas aproximou ainda mais a Igreja de suas raízes evangélicas.
O documento final do sínodo foi monitorado pela Cúria Romana, cuja tendência era ignorar o conteúdo formulado pelos participantes repartidos em 12 grupos sinodais, e impor suas próprias ideias. Apresentado na terça, 22/10, a assembleia sinodal reagiu descontente diante de um texto que lhe pareceu abstrato, o que levou à suspensão das sessões de quarta e quinta, de modo que as contribuições dos participantes fossem incorporadas ao texto. A primeira versão ignorou o caráter holístico da realidade amazônica, onde tudo e todos estão interconectados, como frisa Francisco em sua encíclica, bem como o ministério pastoral das mulheres e a presença da Igreja na defesa dos povos e do bioma amazônicos.
Porém, os 185 delegados oficiais do sínodo, quase todos bispos, foram unânimes quanto à devastação ecológica da Amazônia por empresas extrativas (petróleo, minérios e madeira), pecuaristas, monocultura e hidrelétricas.
Os participantes propuseram, para todas as nações, um estilo de vida sustentável, de respeito à Mãe Terra, a exemplo dos povos indígenas. “É indispensável a conversão ecológica para uma vida sóbria. Isso implica mudanças de mentalidade, estilo de vida, modos de produção, práticas de acumulação, de consumo e de desperdício”, propôs o grupo sinodal integrado pelos que falam português. Já os de idioma espanhol acrescentaram que essa conversão deve levar a Igreja a “assumir o seu papel profético e denunciar a violação dos direitos humanos das comunidades indígenas e a destruição do território amazônico.”
Frei Beto
Agora, as deliberações do sínodo pautam a ação da Igreja Católica, não apenas na Amazônia, mas no mundo todo.